segunda-feira, dezembro 25, 2006

«São pequenos múrmurios de violetas que povoam a minha imaginação. Com o tempo foram-se modificando. Escureceram. Entardeceram. Foram aranhas e com elas os meus medos. Foram estrelas e com elas todos os meus desejos. Foram luz, da esperança. Quem me dera que nunca tivessem passado de pequenos múrmurios de violetas.»

Bom Natal! ;)

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Os olhos amarelos faiscavam. Talvez fossem âmbar. Nunca o olhei nos olhos mais de dois segundos. Dois segundos apenas.

Começou.

Uma corrida frenética. Imponente. O pêlo a balouçar como longos e grossos fios de prata e ouro branco. Os músculos que se moviam tão secos como engrenagens. Com o som de um cataclismo. Os olhos amarelos. Os olhos âmbar. Faiscantes. Fitavam a presa. Quase um sorriso nos dentes carnívoros e predadores. Uma confiança desmesurada em todo o poder da natureza daquela besta. Naquela líndissima e perfeitíssima besta. Máquina de guerra. Que rugia só de se olhar para ela. Que uivava num som tão inebriante e tão cheio de pujança que nos abafaria de medo só de o escutar. Algo mais captou a sua atenção. Num único gesto mecânico o seu corpo parou tão rapidamente como havia começado a sua caçada. Um olhar de soslaio para a presa que ainda fugia como se a sua própria sombra a perseguisse.

Parou.

Um charco. Aquele corpo forte que ansiava por água entrou. Os longos e grossos fios de prata flutuavam e, na noite, davam a sensação de nele se prenderem as luzes ali reflectidas. Coleccionador de estrelas. Outro quase sorriso. O beber ofegante. A vida tinha mais valor dentro de um charco do que a morrer de sede numa perseguição.

Saiu.

Um uivo. Longo. Lânguido. Arrastado. Poderoso. Cortante. Abrasador. Segredos à lua que nunca ninguém viria a decifrar. Mensagem a uma entidade superior qualquer que apenas ele saberia existir. O agitar pesado de toda aquela massa muscular para retirar o excesso de água. As pequenas gotas que ficavam retiam as estrelas que o seu pêlo ganhara no charco. Em cada uma delas uma luz para o guiar. Em mais uma caçada. Em mais uma noite. Mas hoje não. Hoje seria diferente.

Deitou-se.

Debaixo da sombra de uma árvore como o luar pudesse feri-lo com tanta luz. A pelagem prateada ainda a brilhar, como denunciando a sua ausente presença ali. O olhar âmbar. Doce pela primeira vez naquele dia. Misterioso. Um primeiro sorriso inteiro. Interior. Fechou os olhos. O grande corpo cinzento estremeceu uma última vez com a aragem fria do bosque.

Ficou.

O grande e velho lobo ficou. Numa caçada eterna de estrelas e onde haveria charcos com água fresca em cada metro do caminho. No vento ficou preso o seu uivo. O derradeiro. E na noite para sempre os olhos faiscantes e o seu quase sorriso. Para que este possa um dia perseguir presas só com uma dissimulada sombra de medo, imponência e fascínio.