quinta-feira, dezembro 29, 2005

Conforto


Saudades minhas?

«Vejo o gato enrolar-se nele mesmo. Naquela languidez aprazível de quem dorme como se a sua vida dependesse disso. Que vontade. Vontade de ser gato. De ver o mundo com os olhos de quem o possui. De dormir enrolada na malvadez da vida lá fora. Vida. As gotas de chuva que ainda correm pela janela. Fria. Mas o gato não quer saber. Nem eu. Sento-me à lareira. Talvez coma uma caixa inteira de chocolates e me sinta culpada ao fazê-lo. Mas é uma culpa passageira. O doce som da água no vidro. O calor cá dentro. O frio lá fora. Aconchego-me mais na minha camisola de malha. Daquelas que todos temos e ninguém sabe, três ou quatro números acima do que vestimos. As mangas pendem e sinto-me pequena num universo que é tão meu como eu dele. Ligo a televisão. Uma série antiga de que gosto. Faz-me sorrir. Um bilhete teu na minha mão. Palavras que gosto de ler e levo comigo no peito. Desembrulho um chocolate. Gosto desta intimidade que não partilho. Comer os chocolates como muito bem me apetecer e da forma que quiser. O gato espreguiça-se. Fita-me. Enrola-se de novo. Que vontade. A água desliza pelo vidro. Acena-me. E recordo o frio que está. Olho a lareira. Crepita. Ilumina todo o meu espaço. Toda a minha alma. Labaredas que dançam apaixonadamente. Chama que consome a escuridão e o frio. O frio lá fora. Outro chocolate. E, dentro de mim, um conforto que não sei explicar. Talvez apenas as coisas boas da vida.»

Sofia*