sexta-feira, fevereiro 17, 2006


Maçã aos lábios. Passeio como quem não se preocupa. Como quem não vê. Como quem não ama se não a si próprio. E não. Liberto-me na iminência de ser livre. Não me preocupo. E passeio. Passeio como quem não quer ver. Como quem não quer amar. Trinco a maçã. Sento-me num muro. Talvez veja quem passa. Talvez nem passe ninguém. Talvez. Talvez apenas os ecos de quem se aproxima. E olho a maçã. Não olho ao pecado. Vejo-a com olhos de quem não se tenta. De quem sorri e não teme. Mais moça, menos Eva. Trinco-a. E vejo quem não passa. Vejo quem não passa com estes olhos que não amam porque não querem. Porque dói. Porque a vida é bonita quando vista do cimo de um muro. E a maçã também. Deito-me de barriga para cima. Vozes ao longe como se me dissessem que o mundo não pára para mim. Que, na demora da minha indolência, queda-se girando. Nos eixos. Eixos que eu nunca tive. Circulo à nora. Vadia. Como se quisesse esquivar ao que já não me segura. Sou filha do mundo. Sou filha de quem me quiser. Tenho a idade que quiser. O rosto que quiser. O passado que quiser. Trinco a maçã. Tenho o céu ao alcance dos meus dedos. Estico-os. Nunca ninguém apanhou o vento. E hoje sou filha do vento porque quero. Porque pretendo sê-lo. E sou.