quarta-feira, maio 31, 2006

D.Q.N.C. - parte 2

«- Está um céu lindo esta noite.
Concordei. Era o nosso céu. Pediste-me que me fosse deitar. Mais uma vez dei-te razão, sempre que adormecia no cadeirão ficava com dores no fundo das costas. Beijaste-me na testa.
- Para a próxima, sonha que estamos a dançar a valsa no mar vermelho.
Sempre foste irónica. Por instantes perdi o interesse no meu sonho, mas parecia tão real, ainda sinto o teu cheiro misturado com o do rio, ainda sou capaz de ver os teus cabelos esvoaçar com o vento. Tenho quase a certeza que debaixo desse roupão está uma mulher que dança sobre as águas e foge com as correntes.
Subiste as escadas. O ranger do soalho. Os teus passos quebravam o silêncio e confortava-me a tua presença. Não conseguia tirar o sonho da cabeça, mas preferia agora que estavas perto. Encostei o nariz ao teu pescoço, sem dares por isso, e embalei-me no teu cheiro. Abriste a porta do quarto com cuidado, como se tivesses medo de afugentar o sono que eu já adivinhava em ti. Foste à casa de banho lavar a cara, sentei-me na cama. Ainda dançavas nos meus pensamentos, os teus olhos penetrantes fixavam os meus, chamavas-me… Chamavas-me para o Douro… Que quererias? Abri a gaveta, tirei de lá o isqueiro e um cigarro. Tinha que tirar aquela visão da minha cabeça. Procurei um cinzeiro com o olhar, sei que tenho um no quarto apesar de tu não quereres que eu fume aqui. Lá está ele. Metade da minha vida neste maldito cinzeiro… Apareceste. Tinhas o cabelo solto. Agora sim era capaz de jurar que estava a sonhar. Seria o roupão que trazias vestido enquanto dançavas?
- Outra vez a fumares aqui?
Encolhi os ombros. Já me tinhas feito entender que não querias saber as razões. Fizeste aqueles estalidos com a língua de desaprovação.
- Tsk, tsk…
O sabor do tabaco não me estava a ajudar. Acabei sem perceber o que tinha que esquecer: se a mulher do roupão ou a mulher do Douro. Apaguei o cigarro, afastei o cinzeiro. Deitei-me a teu lado. Dormias. Muda. Quieta e calada. Tinhas o corpo cor de canela brilhante pelo suor, estava uma noite quente. Gosto tanto de te ver dormir…»

terça-feira, maio 30, 2006

Douro que nos consome - parte 1

Decidi ir "postando" (ai os estrangeirismos) aqui, e todos os dias, o livro que escrevi. Tudo isto pertence a Sofia Braga. Não creio que haja alguém com paciência suficiente, mas vale a pena tentar. Estou animada... Passei no exame de código sem errar nenhuma. :P

«03-08-2005 * 1
Ouço-te descer as escadas com cuidado, tentando não fazer ranger o soalho. De pouco vale, mas esta casa nada seria sem o eco dos teus passos a quebrar a escuridão. Estou no escritório, sou capaz de ver o rio Douro daqui. Imagino o teu vulto dançar para mim sobre a água. Cabelos ao vento, trazes algo vestido que se cola ao teu corpo como se estivesses encharcada. Abro a janela para sentir a tua essência.

…o eco dos teus passos nas escadas…

Vejo-te sorrir e sorrio também. Estou velho, tu estás sempre na mesma. O cheiro doce da tua pele morena não muda, nem os teus olhos, nem as tuas mãos secas e ternas. Danças no Douro e eu fico em transe vendo-te serpentear os rabelos, caçar o vento com um suspiro. Chamas-me. Que saudades da tua voz rouca! Quero sair, abraçar-te e ficar a pregar estrelas no manto azul que é o céu desta noite.

…o ranger do soalho…

Paraste. Dedo indicador sobre os lábios. Sim, será o nosso segredo, mais ninguém saberá que danças no Douro à noite, quando toda a gente dorme ignorando as sereias do rio. Alguém roça os nós dos dedos na porta. Porque não batem se querem entrar?
- Estás a dormir?
Desperto. Olho pela janela. Onde estás? Olho para a porta. Tu, de roupão, sorris. Estaria a sonhar? Mas não, não pode… Era demasiado real para ser apenas um sonho. Conformo-me. Ficas bem melhor ao meu lado do que a dançar sobre o Douro.
- Agora não.
- Desculpa…
Porque pedes desculpa, acordaste-me para uma realidade ainda melhor. Onde tenho a mulher que amo ao meu lado de roupão, perguntando se estou acordado.
- Não tens nada que pedir desculpa, já sonhei demais…
- Sonhar é bom.
- Sabes dançar sobre as águas?
Arqueaste uma sobrancelha, sim, deverias estar a duvidar da minha capacidade de raciocínio momentos depois de acordar. Respondeste cordialmente.
- Ainda não, mas deve ser uma questão de equilíbrio. Vou praticar.
Riste-te e eu ri-me também, abraçaste-me pelas costas e olhaste comigo pela janela.»

terça-feira, maio 23, 2006

«Telefone. Dedos leves por folhas leves de sonos leves de noites leves de amores leves. Leve o coração. Leviano o pensamento. Penso em ti. A forma como me descreves na perfeição. Perfeição que não tenho. As saudades do teu perfume na areia molhada que ainda trazia agarrada ao cabelo a última vez que fomos à praia. Os risos. Os sorrisos. Sonhos passados militando o Presente. O Futuro que se condena. Condenou-se… Morreu.»

«Obrigado. Pelas flores. Só o gesto. A ligeireza com que as arrancaste daquele canteiro tão só e as fizeste parecerem as mais bonitas que já vi. Foi o teu sorriso. Sei que sim. Abraças-me. Obrigado. Sou tão feliz contigo. Beijo na testa. Protegida. Sinto-te tão perto. A tua mão na minha. Corro e corres atrás de mim. Agarras-me pela cintura. Não me deixas fugir. Nunca deixes por favor.

Suspiro.

Obrigado. Pela surpresa. Só a intenção. Quem diria? Nunca imaginei que aqui aparecesses. Adorei. Aperto-te contra mim com força. Como se te quisesse desfazer não desfazendo. Obrigado. Toda a gente sabe que sim que me fazes feliz. Mais que feliz que os outros eles e elas da vida. Que toda a gente.

Suspiro.

Obrigado. As estrelas para mim? E a lua também? Claro que não as tiro do céu. Desde que as conserves sempre no teu olhar como agora. E eu possa nele mergulhar e perder-me nesse universo que é meu. Obrigado. Derreto-me toda com a facilidade com que fazes que tudo esteja ao meu alcance. Aconchego-me no teu ombro e, sentada no muro, continuo a olhar esse céu que agora é meu.

Suspiro…»

Dois textos? Pois é... A vida tem destas coisas... Ouvi dizer que é um vírus que anda para aí perdido...

quinta-feira, maio 18, 2006

Slow

Um slow. Os pêlos dos braços a eriçarem-se um a um. Pele de galinha. Arrepio. Breve candura de um amor de que seremos privados para sempre. Porque não existe. E mais não são os nossos desejos, do que ecos ocos no acaso do vazio. Aliteração. Alienação. Sonho maior que a existência. Que a vida. Que os homens. Voo alto e queda em lençóis frios que não se equiparam à ideia que tenho do calor do teu corpo. Os teus braços já não me apertam. A tua voz já não me chama. É silêncio o que sentimos. Vaga esperança de que um dia mude. (Riso alto glorificando a ingenuidade.) Nada muda. Nem o céu. Nem o mar. Nem o coração dos homens. Lágrima nos olhos mortiços de cansaço. Cansada de lutar. De querer e não ter. De saltar e não apanhar um pedaço de lua que te prove que me levas às nuvens. Talvez já não leves. Ler um livro qualquer, num sítio qualquer, por uma razão qualquer e criar de novo algo complexo no espírito. Uma ponta de amor. De algo que faça acreditar em príncipes e princesas e rosas. Ás de copas. Azar no jogo… Sorte no… Mas que digo? De novo o slow. Razão crescente para acreditar que sim. Que um dia, na minha vida, há-de aparecer uma pequena placa a dizer “fim” e “foram felizes para sempre”. Mesmo que o sempre sejam dois dias. Porque “sempre” é sempre “sempre”, e mais vale do que “nunca” que nunca é “sempre”. Borboletas no estômago. Efeito placebo de uma pseudo-paixão que não vive. Que não existe. Que não toma forma. Vontade de acariciar outros cabelos que não os meus. De sentir outros abraços que não os dados pelos meus braços. Repito-me. É normal… É normal… Toda a gente saberá…

…assim que eu lhes quiser contar.
While listening to Fingertips – You’re gone
«Ah,don’t you feel alive
When you dance between my thoughts
You swore to come here everynight
Just to sing our song »

terça-feira, maio 02, 2006



Já que não ganhei... Excerto do meu livro. Pequeno pedaço (fragmento?) de que curiosamente me orgulho.

«Observo a cena como se a ela não pertencesse. Tudo me parece mover-se com dificuldade. O ar pesa. Processo em câmara lenta. O Douro. Corre tão sossegado não parecendo predador. Mas é. Quantos não se deixaram ir? Quantos não alimentaram essas águas? Quantos? Águas tão sedutoras e fatais. Onde te vejo caminhar. Dançar. Chamar. Deslizas como se a água não mordesse. Como se não ferisse. Dama do teu mundo. Esse mundo onde Douro e pôr-do-sol são sinónimos do mais puro metal que se aflora nas profundezas da Terra. Do mais puro. E o mais puro que se afunda naquelas correntes como se do mais inconsciente desejo se tratasse. As vezes que te vejo. As vezes que te desejo. Não consigo definir se és tu que pertences ao rio ou se ele corre apenas porque assim o queres. Simbiose, talvez. Simbiose onde tudo o que destoa sou eu do escritório a olhar para ti. Entro em transe. Ninguém olha as sereias, longe de mim tentá-lo. Olho-te apenas a ti. Mais que uma sereia. Mais que uma comum mortal. Deusa. Ninfa. Palavra por inventar de tão divina a tua natureza. Não tens símbolo químico possível. Não te reduzes a iões. Não te reduzes a átomos. Não te reduzes a células. Não te reduzes aos seres humanos. És toda tu, na tua dança, no teu ritmo, no teu sentir e no amor que tenho por ti. A indefinição por excelência. E ao mesmo tempo acho impossível que te definas tanto a ti mesma nas linhas carregadas do que nutro por ti. És o meu desconhecido que adoro conhecer. És as profundezas de mim mesmo que nego, na impaciência de que não tenho esse tipo de virtudes. Geografia que nunca quis esquecer. És o sol. És as estrelas. És os astros e a astrologia. És ciência do meu amar e filosofia da minha alma. Não te conceberia de outra forma. Não o poderia fazer. Não te poderia conceber. Mas se o fizesse, negaria-te os teus poderes que me fazem sentir tão mortal junto de ti. Não é cobiça. Não é ciúme. Não é prevaricação. É medo. Medo que tu, tendo tão pouco de terreno, me troques pelo sol e pelo rio onde te fundes. Me proíbas de deixar seguir-te por entre os rabelos e fazer-me acordar, com o choque. A sensação austera de que já não queres pertencer ao meu mundo. »


"Love would be the pretiest thing on the world if it was as everyones dreams, with red roses on the bed, candles over the room and a nice person who wouldn't mind to listen us talking about our ordinary day life" by unknown